Coração pequeno não tem cura

É estranho imaginar que alguém acorde num dia qualquer, olhe pela janela, veja o céu ensolarado, e decida mudar de vida. Não uma mudança boa, como se matricular numa academia, iniciar uma nova graduação, ou sair do emprego insuportável.

Mas uma mudança brusca, inesperada, de abandonar a vida em comum com a pessoa que dorme já há algum tempo do seu lado, ou que compartilha o mesmo status num relacionamento sério nas redes sociais.

O mais comum nessas situações é, ao menor sinal de dúvida, acreditarmos e defendermos nossas escolhas, pois queremos ter acertado, sempre. Jamais ousamos contestar nossos desejos e predileções, principalmente num terreno tão delicado quanto é o dos sentimentos.

Mas a vida não é certa pra ninguém, e ela pode nos surpreender e nos invadir com incertezas e indecisões, e toda essa desordem pode se transformar em um cansaço emocional que se apropria de nosso ser. Já não temos mais certeza de que nossas escolhas são certeiras, de que nossos caminhos são lineares, ou de que estamos isentos de armadilhas. A estrada é sinuosa, e os atalhos duvidosos.

As forças se definham e os indícios de que as coisas não são mais serenas e pacíficas tomam conta de nossos pensamentos, esforços e rotina. Tudo agora é tempestade, os dias de calmaria parecem tão distantes de nosso alcance.

Questionamentos são feitos, palavras são discursadas, lágrimas brotam do canto dos olhos, embaçando até o mais lindo e ensolarado dia. Com medo da solidão, tentamos reverter tudo que nos desagrada, que nos incomoda e que nos adoece.  Parece muito mais fácil perdoar alguns pecados, do que correr o risco de amargar dias desertos.

Mas as cobranças não param, e elas tornam-se insustentáveis, e nenhum argumento é capaz de superar a constatação de que o amor, aquele sentimento tão nobre, grandioso e pleno, acabou. É hora de partir.

O silêncio diz muito, se não é com a rejeição que machuca, é com o vazio que consome. E nos aquietamos.

Parece que uma nova história de amor nunca mais estreará nas telas de nossas vidas, e que ser feliz sozinho, embora clichê, é o nosso destino. Mas esse adora nos pregar peças. E de repente, logo somos surpreendidos novamente.

E em meio a tantas coincidências e casualidades da vida, ao contrário do que planejamos, encontramos um outro alguém que nos desperta um sorriso no rosto a cada mensagem recebida, ou a cada pensamento inesperado.

Sem ter idéia do que fazer, esquecendo as regras, burlando as normas, e deixando as surpresas sobressaltarem. Vislumbrando um detalhe novo a cada encontro, descobrindo um sorriso novo, ou um olhar tenro a cada momento íntimo e secreto.

E se surpreender com a sua música preferida tocando no rádio coincidentemente (ou não), ou com alguém que abre a porta do carro sem parecer que o faz por obrigação ou presunção.

Que não usa relógios, que não te deixa sozinho na mesa para socializar em grupos pelo celular, que sabe conversar sobre qualquer assunto, e quando não souber, vai te ouvir falar, e se encantar com sua sabedoria, mesmo que você também não tenha idéia do que está falando.

Que faça com cada encontro esbarre no acaso, que tenha um detalhe marcante, e mesmo que o final não seja feliz, se esforce para recompensar no próximo.

Que não largue a sua mão quando estiverem juntos, que te abrace sem vergonha, que te faça inspirar todos os dias, e por vezes, te faça esquecer de soltar o ar. Que não permita que você tranque novamente a sua alma, nem se convença de que o amor acontece só uma vez na vida. Que sempre te motive a sair da zona de conforto, e que busque ser alguém melhor todos os dias.

Que seja eterno enquanto dure, e que dure o quanto bastar.